o poeta e amigo assis que a todos toca com a sua sensibilidade verbal e paraverbal acaba de me deixar sem reacção, com o poema "balada de outros e tantos mares". agradeço-lhe com o que as palavras nunca conseguem (porque imperfeitas e insuficientes), mas que sei que ambos sentimos quando nos cruzamos neste universo a que chamamos poesia. apenas uma advertência: ele deixou-me despido, absolutamente, naquele texto... ainda procuro as roupas um pouco por todo o lado... felizmente, e como diz jorge sousa braga: "quanto mais me dispo menos nu me sinto" (streap-tease)
cortei os pulsos para percorrer a estrada do sangue plantei uma árvore para perder a esperança inaugurei o sol para dançar na sombra mordi os frutos para deixar escorrer a noite esventrei o céu para morrer de espanto.
hoje o meu arco-íris não é mais que uma vaga recordação.
se o iodo e o sargaço se juntarem em redor do teu nome, alguma vez serei apenas a água com que inventes novos rios e correntes sem foz?
e se as veias estremecerem num bailado sanguíneo acendendo rostos do passado (continuo a achar que a morte é apenas as palavras que não se esquecem) recordar-te-ás que já fui o fogo que queimava, lentamente, o lençol de espinhos onde dormias todas as noites?
entre as dúvidas e as nunca certezas, o corpo inclina-se para a sombra perscrutando a profecia órfã: na vaga do olhar a vida executada.
“O fundamento de toda a experiência tem de estar fora da experiência. E, assim, para a Poesia, o Oásis e o Deserto são as tenazes que a geram, já que a realidade não se baseia só na substância das coisas, mas também no seu caudal e relacionalidade. Tudo se define pelo diferente. E para a Ideia da Totalidade de uma Vida Única nós acreditamos na conjugação futura desses dois estados, na aparência tão contraditórios, que são o sonho e a realidade. Acreditamos numa Realidade Absoluta, numa SURREALIDADE se é lícito dizer-se assim.” Mário Cesariny, Primavera Autónoma das Estradas
- acabo de perceber como surrealisticamente não sou surrealista: visto-me e disponho-me, todos os dias, com a experiência a servir-me de espelho… - pois, eu sempre percebi que sou surrealista, visto a roupa que não me serve e passeio nesta fogueira das vaidades. - não te serve… mas fica-te bem! quanto à fogueira: deixa arder… - deita-lhe gasóleo! até porque as cruzetas se fizeram para albergar cadáveres esquisitos, queimados…
a verdadeira experiência surrealista (porque não vive apenas de si mesma, mas das intersecções que proporciona) é poder efabular sobre trivialidades absolutas e essencialidades relativas (na verdade, e sem pruridos linguísticos ou conceptuais, sobre tudo e sobre nada) com a amiga e poeta laura alberto do blogue im.possibilidade, seja no cosmopolita e variegado porto, seja numa popularmente pitoresca freamunde…
caros amigos, julgo que o meu blogue se amotinou. tenho recebido comentários que aceito e desaparecem, outros que eu próprio faço e que nunca apareceram... pode haver um qualquer conflito com os mecanismos de funcionamento do próprio blogue. justamente para precaver a situação (e, já agora, para despistar qualquer outra avaria mais séria), republico aqui o texto.
um abraço e um agradecimento a todos quantos por cá passaram e deixaram a sua marca... em tinta transparente, mas com o coração sempre presente.
jorge
vénus de willendorf
a vida abre-se como botões de rosa em jardins alinhados em látex e formol. coxas femininas anunciam o destino no v desenhado sobre marquesas, enquanto o deus nomeado pelos homens converte planos de felicidade numa criação exclusiva das suas mãos. tudo é luz, milagre, constelação… à espera da noite. e o sangue que rega os corpos sem vida acende também o relâmpago da existência naquele rectângulo asséptico de uma ilusão transparente.
os dias correm sob patas rutilantes que latejam nas têmporas do quotidiano: são tentáculos a irromper pelas paredes húmidas sobre a cal que o artífice da vida jurou envolver no meu corpo. do estio prometido sobra o calor do inferno; da brisa anunciada apenas as trevas do inverno.
e no vaivém dos dias a pele arde na fornalha da locomotiva que cospe os derradeiros bagos de céu.
pergunto-me por ele, o guardador de rebanhos que engana as reses brancas e abandona as negras umas e outras antes de saberem morrer.
a resposta? ...
deixei de saber esperar; inicio a descida ao lado do pássaro que me despiu as asas.
a vida abre-se como botões de rosa em jardins alinhados em látex e formol. coxas femininas anunciam o destino no v desenhado sobre marquesas, enquanto o deus nomeado pelos homens converte planos de felicidade numa criação exclusiva das suas mãos. tudo é luz, milagre, constelação… à espera da noite. e o sangue que rega os corpos sem vida acende também o relâmpago da existência naquele rectângulo asséptico de uma ilusão transparente.
os dias correm sob patas rutilantes que latejam nas têmporas do quotidiano: são tentáculos a irromper pelas paredes húmidas sobre a cal que o artífice da vida jurou envolver no meu corpo. do estio prometido sobra o calor do inferno; da brisa anunciada apenas as trevas do inverno.
e no vaivém dos dias a pele arde na fornalha da locomotiva que cospe os derradeiros bagos de céu.
pergunto-me por ele, o guardador de rebanhos que engana as reses brancas e abandona as negras umas e outras antes de saberem morrer.
a resposta? ...
deixei de saber esperar; inicio a descida ao lado do pássaro que me despiu as asas.
as mãos dormitam nos bolsos embalando os olhos que incham sob a ameaça de revólveres azuis com aroma a alfazema. pelo sangue, travestis enrolam o sexo e mordem a carne que, espasmo após espasmo, entumece, galga os ossos, arranha a pele e reinventa o silêncio. ao seu redor, pressente vozes sem boca e ecos sem memória. está só. ele e o gato vadio que esgravata o lixo. depois é o pátio, um insecto ruidoso e o automóvel que chia a alta velocidade. tudo passa… todos fogem… apenas ele permanece e de novo só. outra vez o jogo do silêncio… nem a noite morna ou a beata esquecida nos lábios lhe estendem a mão e o olhar. só… como o mais vadio dos cães ou dos gatos que embriagam a lucidez dos homens. boceja… inclina-se sobre o colchão do silêncio. os lençóis são o passado, cada vez mais sujo, cada vez mais roto. adormece no trilho da memória. a esperança há já muito que lhe dinamitou o peito.
Sobre mim, alguém um dia escreveu:
Jorge Manuel Rocha Pimenta.
Nasceu em Braga, cidade onde fez os seus estudos: Licenciatura em Ensino de Português-Inglês e Mestrado em Educação, Área de especialização em Supervisão Pedagógica em Ensino do Português, ambos pela Universidade do Minho. Tem repartido entre o Instituto de Educação e Psicologia (da UM) e a Escola EB 2,3 de Viatodos (em Barcelos) a sua vida profissional como docente, supervisor de estágios pedagógicos e investigador, tendo nesta qualidade publicado diversos estudos e comunicações.
Da paixão do ensino não só vive; também do teatro e de todas as expressões artísticas de que frui. Mas é à boca de cena que se encontra com a poesia, em diálogo íntimo, onde o papel que representa é o do homem que é fazendo o poema cumprir-se.
Obrigado, Ana Salomé!